segunda-feira, 31 de maio de 2010

Teoria Pura para Iniciantes - Proposições e Normas

A ciência jurídica interpreta, descreve as relações estabelecidas entre os fatos (condutas) definidos pelo Direito através das normas jurídicas, por meio de PROPOSIÇÕES jurídicas.

Proposições jurídicas são juízos hipotéticos que traduzem que, de acordo com determinada ordem jurídica, ocorridas certas condições ou pressupostos juridicamente estabelecidos por aquela ordem normativa, devem ocorrer certas conseqüências determinadas pela mesma ordem jurídica em estudo. Elas podem ser verdadeiras ou não verdadeiras [falsas].

Norma, por sua vez, é mandamento (comando, imperativo, permissões, atribuições), um enunciado sobre um objeto dado ao conhecimento. Somente podem ser válidas ou inválidas, jamais verdadeiras ou não verdadeiras, no sentido lógico.


Exemplo de Norma:
A subtração de coisa móvel de outrem deve ser punida com pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos (assim a lei penal prescreve).
Trata-se, portanto, de uma Prescrição: ela dita que esse alguém deve ser [tem que ser] punido.

Exemplo de Proposição:
A alguém que subtrai coisa móvel alheia, dentro do sistema jurídico brasileiro, nas condições do art. 155 do CP, deve ser [é possível que seja] aplicada uma pena que varia de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Trata-se claramente de uma descrição (proposição), que pode verdadeira ou falsa, certa ou errada. O dever-ser da proposição quer significar que há a possibilidade desse alguém (que furtou) ser punido com a pena x a y.

Dado que uma norma não pode ser verdadeira ou falsa (apenas válida ou inválida), é através das proposições jurídicas que podemos aplicar indiretamente os princípios lógicos às normas jurídicas que descrevem.

Diz Kelsen:
Duas normas jurídicas contradizem-se e não podem, por isso, ser afirmadas simultaneamente como válidas quando as proposições jurídicas que as descrevem se contradizem; e uma norma jurídica pode ser deduzida de uma outra quando as proposições jurídicas que as descrevem podem entrar num silogismo lógico.

Teoria Pura - Kelsen - Proposições - normas - Filosofia do Direito - Direito - Ciência jurídica

Teoria Pura para Iniciantes - Fundamento de Validade

Do ser não se deduz o dever-ser
Uma norma só é válida porque está de acordo com uma outra norma superior: Nn --> N1 --> N2, mas isto não pode seguir sempre, numa regressão até o infinito. Também, não se pode estabelecer que uma norma é válida só porque foi determinada por certa pessoa ou autoridade, pois essa autoridade (ou pessoa) só é competente porque uma norma assim determinou, ou seja, há uma norma que confere essa autoridade (a essa pessoa), dá-lhe o sentido objetivo.

Devemos obedecer ao Código Penal! Por que razão? Porque uma norma assim estabeleceu ou assim sua autoridade ou imperatividade foi estabelecida por uma outra norma superior. Por conseguinte, somente uma autoridade competente (determinada por uma norma) pode estabelecer normas.
Porém, a pergunta continua:por que esta norma superior é válida?
Da necessidade de não cairmos na regressão até o infinito (Nn-3 --> Nn-2 --> Nn-1 --> Nn-n) é preciso pressupor uma norma que é o fundamento de validade comum de todas as normas de um sistema, cuja validade não pode ser posta em questão: A Norma Fundamental (Grundnorm).

Norma Fundamental - portanto - é a norma pressuposta (hipotética), fonte comum de validade de todas as normas pertencentes a um mesmo sistema jurídico. Ela fixa a unidade do sistema jurídico, isto é, todas as normas têm-na como fundamento último de validade.

Mas qual é o conteúdo da Norma Fundamental? O que diz a norma fundamental?
A Norma Fundamental é Norma sem conteúdo (esvaziamento). A Norma Fundamental (N. F.) limita-se a estabelecer uma regra em conformidade com a qual devem ser criadas normas de um determinado sistema jurídico. Assim, uma norma está de acordo com a N.F. quando foi posta (positivada) de acordo com o procedimento fixado pela regra da N.F. Jamais a validade última é estabelecida pelo conteúdo.

Por conseguinte, uma norma jurídica só vale (ou é válida) porque é ou foi criada de uma forma determinada, em última análise, pela forma estabelecida na N. F. Não é pelo conteúdo que se determina a validade de uma norma, pois todo e qualquer conteúdo pode ser Direito.

Por que se diz que a Norma Fundamental é pressuposta
A N.F. é uma norma pressuposta (e não posta!) porque ela é pensada, ou seja, sua existência não depende de um ato de vontade, mas é fruto do intelecto. Por meio do pensar podemos identificar (pressupor) a N.F. de um sistema jurídico.

A Norma Fundamental é a Constituição?
A N.F. dá ao ato de vontade constituinte (com sentido subjetivo) o sentido objetivo (da Norma). Porém, não se pode achar que qualquer tipo de norma fundamental pode ser pensado (pressuposta), pois somente a partir de uma Constituição determinada (já dotada de sentido objetivo) pode a N.F. ser pressuposta: a N.F. de um sistema jurídico é aquela que manda agir de acordo com a Constituição do mesmo sistema jurídico.

Tem valor a Norma Fundamental (ou Kelsen tinha fumado um...)?
A N.F. permite pensar o Direito com coerência. Ela permite interpretar o Direito como um todo dotado de sentido, mediante proposições jurídicas não contraditórias. É o pressuposto que gera a unidade do ordenamento e permite pensar o Direito como uma construção escalonada de diferentes níveis.

Teoria Pura - Kelsen - Norma Fundamental - Dever-ser - Validade - Direito - Filosofia do Direito

domingo, 30 de maio de 2010

Teoria Pura para Iniciantes - Sistema Normativo

O Estudo da natureza sistemática do Direito visa o estudo dos pressupostos e implicações normativas, sob a constatação de que toda lei pertence necessariamente a um sistema jurídico (para uma melhor compreensão deste tema, vide Capítulo I de O Poder Normativo do Direito). Trata-se de uma investigação abrangente que é o resultado do que pode ser chamado de teoria (analítica) do sistema jurídico.

Por conseguinte, podemos afirmar que, numa perspectiva analítica, uma teoria completa do sistema jurídico consiste na elucidação dos quatro seguintes problemas: (1) o problema da existência; (2) o problema da identidade (e correlativamente o problema de pertença ou adesão - vide O Poder Normativo do Direito; (3) o problema da estrutura; e por fim, (4) o problema de conteúdo.

Como abordado em O Poder Normativo do Direito, praticamente, todas as teorias do Direito, enquanto sistema de normas, negligenciam o esclarecimento (solução) de algum desses problemas.

Para a compreensão do Direito, antes de Kelsen, entendia-se que bastava a definição da lei, sem a compreensão do sistema jurídico como um todo. Entretanto, não há como elaborar uma teoria de Direito sem compreender o ordenamento jurídico (como um todo) - sem esta, inclusive, não se pode entender o que é (um)a lei.


Basicamente, Kelsen é o 1º a considerar que é impossível apreender a natureza do Direito se debruçarmos apenas sobre a análise de uma norma isoladamente. Portanto, a partir de Kelsen (Teoria Pura), o Direito ficou reconhecido como dotado de 3 Características Gerais de extrema relevância:
  1. é normativo, ou seja, serve como guia de conduta humana;
  2. é institucionalizado, no sentido de que sua aplicação e modificação (ou elaboração) depende de instituições (sociais);
  3. é coercitivo, quer dizer, em último caso, sua obediência e aplicação são internamente garantidas pelo uso da força (física).

Assim, a explicação (da importância) do Direito deve levar em conta tais características e, basicamente, a diferença entre os teóricos (analíticos) do Direito se resume na diferença de interpretação das três características (suas relações e importância relativa).

Teoria Pura - Kelsen - Filosofia do Direito - Sistema jurídico - normatividade - Direito

Teoria Pura para Iniciantes - o que é Teoria Pura

Kelsen busca aproximar o conhecimento do Direito ao ideal de toda ciência: objetividade e exatidão. Conforme suas próprias palavras, a Teoria Pura pode ser entendida como um desenvolvimento dos pontos de vista que já estavam anunciados na ciência jurídica positivista do séc. XIX:
Se, no entanto, [apesar de tantas críticas] ouso apresentar nesta altura o resultado do trabalho até agora realizado, faço-o na esperança de que o número daqueles que prezam mais o espírito do que o poder seja maior do que hoje possa parecer; faço-o sobretudo com o desejo de que uma geração mais nova não fique, no meio do tumulto ruidoso dos nossos dias, completamente destituída de fé numa ciência jurídica livre, faço-o na firme convicção de que os seus frutos não se perderão para um futuro distante (Prefácio - 10ª edição).
A Teoria Pura é Teoria Geral do Direito, não de um sistema jurídico particular, mas é também uma teoria da interpretação e busca explicar "o que é e como é o Direito", e não como deve ser ou deve ser feito.

Kelsen sabe das relações entre o Direito e as outras ciências sociais, contudo, tem como intenção evitar o sincretismo metodológico que obscurece e apaga as fronteiras estabelecidas pelo seu próprio objeto. Por isso, tem a pretensão de eliminar toda e qualquer influência psicológica, sociológica e teológica no pensamento jurídico, e estabelecer, como missão da ciência do Direito, o exclusivo estudo das formas normativas possíveis e as conexões essenciais entre elas. Deste modo, a Teoria Pura tem como princípio metodológico fundamental excluir tudo o que não pode ser rigorosamente determinado como Direito.

Teoria Pura - Kelsen - Filosofia do Direito - Direito

Uma Teoria Jurídica do Sujeito - Parte II

Como vimos no post "Uma Teoria do Sujeito - Parte I," a ideologia pode ser comparada a um “software cultural”, que nos oferece ferramentas para a nossa compreensão e contribuição sociais. Como isso se relaciona à compreensão do Direito e ao entendimento de uma teoria jurídica do sujeito?

O “sujeito legal” ou as contribuições da “subjetividade” invocam duas ideias complementares: em primeiro lugar, a contribuição individual através do ato da compreensão para a própria experiência do mundo social e, em segundo, a construção social individual, que ajuda a construir a forma e os limites da compreensão. Uma teoria jurídica do sujeito é sobretudo uma teoria jurídica cultural, pois é a cultura que cria sujeitos legais (ou conteúdos legais) como sujeitos.
 
Porém enfatizar o que o sujeito jurídico traz para o objeto jurídico não significa arguir que os elementos que integram o sistema jurídico são subjetivos no sentido comum da palavra. As pessoas não têm o controle total do que observam, pertencem a uma ampla cultura jurídica e política, criando múltiplas formas de compreensão. Os indivíduos não escolhem os termos de sua construção social ou ideologia, mas, sim, escolhem entre esses termos. A escolha não é originariamente livre (em absoluto), mas sim uma escolha dos termos que já formam a estrutura, a partir da qual as escolhas são entendidas e efetivadas.

 
No entanto, há uma relação dialética entre criação e escolha. É que o objeto da interpretação jurídica tem uma existência independente de sua compreensão pelo sujeito particular. A nossa subjetividade não cria, mas contribui com os objetos culturais que compreendemos ou, melhor dizendo, contribui para a compreensão (interpretação) dos objetos culturais (que compreendemos). 
This is the dialectic between the subjective and objective aspects of social life - between individual thought, belief, and action on the one hand, and language, ideology, culture, conventions, and social institutions on the other. Culture and cultural objects have meaning only when they are understood by subjects, but their meaning is not dependent on the view of any particular subject.
Tanto a cultura como os objetos culturais, bem afirmou Jack Balkin, só têm significado quando compreendidos pelos sujeitos. Contudo, seus significados não dependem da visão particular de qualquer sujeito. 
 
Quando as discussões da teoria jurídica negligenciam a contribuição do sujeito jurídico para o objeto da interpretação, projetam a contribuição do sujeito para dentro do objeto, apresentando a contribuição como um elemento ou propriedade do Direito, ocorrem duas nefastas consequências para a compreensão da natureza do Direito e a contribuição do sujeito.
 
Essa equivocada projeção ideológica provoca, primeiro, uma pobre descrição da natureza do sistema jurídico, ignorando sua necessária conexão com a compreensão humana. Segundo, ela apaga, torna invisível, a contribuição do sujeito para o sistema jurídico, cortando as possíveis vias de questionamento sobre "nós" que compreendemos o Direito e protegendo o sujeito do escrutínio intelectual.
 
Certamente, a ocultação ideológica do conteúdo (e do sujeito) legal persiste mesmo nos mais recentes relatos da teoria jurídica, ansiosos por estabelecer a interpretação como a fundamental característica do Direito. Exempli gratia, a conhecida teoria do Direito como integridade de Ronald Dworkin.

Teoria Pura para Iniciantes - Direito & Moral

Direito e Moral são conjuntos (sistemas) de normas sociais. Normas que regulam condutas das pessoas (convivendo com as outras).
Entenda que, se só há normas morais porque o homem vive em sociedade (convive com outro), não tem cabimento afirmar que a Moral é a norma do homem para com ele mesmo.
Conforme a Teoria Pura de Kelsen, o Direito tem pontos em comum com a Moral. Ou seja, o Direito não se diferencia da Moral (a) pelo conteúdo de suas normas (por aquilo que prescrevem ou proíbem); (b) pelo fato de um ser externo e a outra interna (uma norma social só tem sentido quando regula algo que pode ser (externamente) violado - portanto, se a Moral é norma social, ela tem também natureza externa); e (c) pela elaboração consciente ou inconsciente.
Direito e Moral se diferenciam na forma como (no como) prescrevem ou proíbem uma certa conduta. Enquanto o Direito é um sistema de normas com atos de coerção socialmente organizada (a força física), a Moral apenas aprova ou desaprova uma determinada conduta por ela regulada (sem uma coerção socialmente organizada).
O Direito só é (ou se identifica com) a Moral na medida em que também é Norma Social que prescreve, com caráter de dever-ser, uma determinada conduta. Assim, para Kelsen, a relação entre o Direito e a Moral é uma questão sobre a forma (relação formal de identidade). Por isso, Kelsen rejeita a teoria do Mínimo Ético (ou seja, a de que o Direito deve possuir um mínimo de Moral para ser justo ou válido), uma vez que essa teoria parte do pressuposto de que há uma Moral Absoluta (com um conteúdo determinado ou comum, no caso deste último, quando admite a existência de mais de um sistema moral).
O Direito (ordem jurídica) é independente de qualquer aprovação (concordância) ou desaprovação (discordância) com qualquer sistema Moral.

Teoria Pura - Kelsen - Filosofia do Direito - Direito - Moral

sábado, 29 de maio de 2010

Dworkin: princípios e diretrizes políticas - Uma abordagem introdutória

Dworkin: princípios e diretrizes políticas - Uma abordagem introdutória (by Quintino Tavares)
Os princípios estão por toda parte, esta afirmação é, hoje, recebida de maneira incontestável. O problema surge quando se tenta definir os princípios e diferenciá-los das regras jurídicas. Não só, a discussão se alonga para o âmbito de sua importância como de sua aplicação. Assim, este texto introdutório visa esclarecer o conceito de princípio, tal como apresentado por Dworkin, e a sua especificidade e diferença em relação à regra jurídica.
Dworkin argumenta que a regra de reconhecimento de Hart não consegue captar todos os standards que os juízes têm o dever de aplicar, e que de fato frequentemente aplicam. O Direito não é apenas um conjunto de regras primárias e secundárias, mas é também constituído por princípios. Face à dificuldade de conceituar, ele propõe uma definição negativa de princípio, que depende da distinção entre regras e outros padrões (standards) (Muñiz, 1997, p. 269): conjunto de normas outras que não são regras jurídicas.
Definição geral que engloba, de forma mais precisa, a noção de diretriz política que diz respeito a um tipo de norma (standard) cujo objetivo é o bem-estar geral (econômico, político e/ou social) da comunidade. O termo princípio, de modo mais específico, diz respeito a um tipo de norma cujo respeito é um requisito de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade (Dworkin, 1977, p. 43). Exemplificando, a determinação de que ninguém deve beneficiar-se da sua própria torpeza funciona como um princípio, enquanto que a determinação de que os acidentes de trânsito devem diminuir é norma que funciona como diretriz política.
A noção de princípio, segundo Chueiri (1993, f. 69), atua em dois níveis: internamente, opondo-se à política (nervo da teoria da adjudication) e externamente, opondo-se à regra jurídica, o que determina o debate com o positivismo de Hart. No primeiro nível, o argumento com base em princípios atenderá um direito individual; no segundo, baseado em diretrizes políticas, atenderá um fim coletivo, visando o bem-estar geral da comunidade (Idem, f. 69).
Para Dworkin (1977, p. 45-46), a distinção entre princípios e regras é uma distinção lógica. Ambos são conjuntos de normas (standards) que apontam para decisões particulares sobre obrigações jurídicas numa particular circunstância. Mas se diferenciam no caráter da direção que apontam. As regras são aplicáveis na forma do tudo-ou-nada, ou seja, são disjuntivas, aplicam-se ou não se aplicam ao caso. Por sua vez, os princípios, embora muito se pareçam com as regras, não indicam uma consequência legal que automaticamente se segue quando as condições dadas se realizam.
Um princípio apresenta uma razão que aponta para uma direção, porém, não exige uma decisão específica naquele mesmo sentido (apontado). Ilustrando, se um homem vai receber algo como produto direto de uma conduta ilegal, o princípio de que ninguém deve se beneficiar do seu próprio erro precisa ser levado em conta, mas há outros princípios e políticas apontando para uma outra direção: a política da segurança do título, por exemplo, ou o princípio da legalidade. Um princípio pode não prevalecer, no entanto não significa que não seja um princípio do nosso Direito. Trata-se de um dos princípios que os funcionários do sistema precisam levar em conta, se for relevante, como uma consideração que aponta para uma outra direção (Idem, p. 47).
Finalmente, uma outra diferença é que princípios têm uma dimensão de peso ou importância. Se duas regras estão em conflito, uma não poderá ser válida, já os princípios, será aplicado aquele que tiver maior peso ou importância naquela circunstância.

REFERÊNCIA:
CHUERI, Vera Karam de. A filosofia jurídica de Ronald Dworkin como possibilidade de um discurso instituinte de direitos. 1993. 182 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro de Ciências Jurídicas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

DWORKIN, Ronald. Is Law a system of rules? In: _______(ed.). The philosophy of law. Oxford, UK: Oxford University Press, 1977.

MUÑIZ, Joaquín R.-Toubes. Legal principles and legal theory. Ratio Juris, v. 10, n. 3, sept. 1997. p. 267-287.

John Rawls e o Liberalismo Político

Em Liberalismo Político, John Rawls continua, de forma revisada, a ideia de justiça como equidade, apresentada em A Theory of Justice, mas a sua interpretação filosófica é modificada de um modo fundamental. Na obra anterior, Rawls trabalha com o que denominou "sociedade bem ordenada" (Well-ordered society), estável e relativamente homogênea nas suas crenças morais básicas, em que há amplo acordo sobre o que constitui a vida boa.
    Entretanto, numa sociedade democrática moderna, existe uma pluralidade de doutrinas incompatíveis coexistindo dentro da mesma estrutura das instituições democráticas. De fato, as instituições independentes, por si mesmas, encorajam permanentemente esta pluralidade de doutrinas como um normal desenvolvimento exterior da liberdade (as the normal outgrowth of freedom over time). Reconhecendo isto como uma constante condição da Democracia, Rawls indaga como é possível uma sociedade estável e justa, de cidadãos livres e iguais, manter-se em concórdia, quando está profundamente dividida por tais doutrinas incompatíveis (embora razoáveis).
    A resposta se funda na redefinição da sociedade bem ordenada, que não mais é uma sociedade unida sob as crenças morais básicas, mas sim sob a concepção política de justiça. E esta justiça é o foco de um consenso sobreposto das doutrinas abrangentes razoáveis, em que a "justiça como equidade" é um exemplo de tal concepção política. No mais, ser o foco de um consenso sobreposto significa que pode ser endossado pelas principais doutrinas religiosas, filosóficas e morais que permanecem ao longo do tempo em uma sociedade bem ordenada.
    Liberalismo Político representa uma forma de liberalismo baseada na ideia de razão pública livre - free public reason - que rende novos "insights" para as questões de justiça na nossa sociedade pluralista.


Em Uma Teoria da Justiça, o contrato social é visto como parte da filosofia moral e não há nenhuma distinção entre filosofia moral e filosofia política. A doutrina moral da justiça geral não é distinguida de uma estrita concepção política de justiça. Em Liberalismo Político, contudo, são feitas distinções entre doutrinas filosóficas e morais abrangentes e concepções limitadas ao domínio da política, que se tornam fundamentais.
    Há diferenças importantes, mas, para se compreendê-las, é preciso entender que a natureza e a extensão de tais diferenças são para (tentar) resolver um problema sério para a justiça como eqüidade, nomeadamente, o fato da explicação acerca da estabilidade, na parte III de A Theory of Justice, não ter sido consistente com a visão do conjunto.
    O problema sério, que preocupa Rawls, é a irrealista ideia de uma sociedade bem ordenada, como a definida em A Theory, cuja característica essencial, de tal sociedade associada à justiça como equidade, é a de que todos os cidadãos subscrevem os dois princípios de justiça. O que é semelhante a uma sociedade bem ordenada associada ao utilitarismo: os cidadãos aceitam-na como uma doutrina filosófica geral e aceitam o princípio da utilidade que se encontra na sua base. Para Rawls, A Theory considera justiça como eqüidade e utilitarismo como doutrinas filosóficas gerais ou parcialmente gerais.
    O grave problema é que uma sociedade democrática moderna está caracterizada não simplesmente por um pluralismo amplo de doutrinas religiosas, filosóficas e morais, mas sim por um pluralismo de incompatíveis, porém, razoáveis doutrinas abrangentes. Nenhuma dessas doutrinas é aprovada pelos cidadãos em geral, nem poderá vir a ser aprovada por todos ou quase todos.
    Além disso, Liberalismo Político supõe que doutrinas abrangentes razoáveis não rejeitam os elementos essenciais de um regime democrático. Claro que uma sociedade poderá conter também doutrinas abrangentes não razoáveis e irracionais, por vezes até maléficas, mas, no caso, o problema é contê-las de modo que não minem a unidade e a justiça social.
    O fato da existência de sociedades pluralistas (com doutrinas razoáveis e incompatíveis) demonstra que a idéia de justiça como equidade, apresentada em A Theory, não é realista. O motivo é a sua incompatibilidade à realização de seus próprios princípios acerca da melhor condição previsível. Assim, agora, em Liberalismo Político, tenta-se remover a ambiguidade e justiça como equidade é apresentada, já de início, como uma concepção política de justiça.
    Political Liberalism tenta responder às seguintes indagações:
  • Como é possível que doutrinas abrangentes razoáveis, mas profundamente opostas, possam conviver juntas e todas confirmando a concepção do (mesmo) regime constitucional?
  • Qual é a estrutura e conteúdo de uma concepção política que pode obter suporte de um consenso sobreposto?
    O intento do livro não é a realização de um projeto iluminista, no intuito de encontrar uma doutrina filosófica secular, baseada na razão e, ainda, abrangente. O problema do Liberalismo Político é conseguir uma concepção de justiça política para um regime constitucional democrático, em que a pluralidade de doutrinas razoáveis, inclusive religiosas - possam ser endossadas.
    Para recapitular, o que a obra tenta resolver é a possibilidade de uma sociedade justa e estável, em que os cidadãos livres e iguais possam viver em harmonia, embora profundamente divididos acerca de doutrinas religiosas, filosóficas e morais. Trata-se de um problema de justiça política e não o de um bem supremo.
    Rawls busca ainda clarear alguns pontos essenciais para o Liberalismo Político, subavaliados em A Theory:
  1. a idéia de justiça como equidade como uma visão independente, em que o consenso é sobreposto à explicação de estabilidade;
  2. a distinção entre simples pluralismo e pluralismo razoável, juntamente com a idéia de uma doutrina abrangente razoável;
  3. a ampla relação entre o razoável e o racional, trabalhada na concepção do construtivismo político (opondo-se à moral), de modo a formar as bases dos princípios do direito e da justiça da razão prática.

Ref: RAWLS, John. Political liberalism. New York: Columbia University, 1996. LXII, 464 p. (With a new introduction and "the replay to Habermas").

Resenha da Obra Saber Pensar de Pedro Demo

Antes, publicada no Blog MSc Quintino Tavares no formato ebook da mobipocket, agora também em pdf, no link no final do post.

Quem é Pedro Demo?
Pedro Demo, catarinense, tem formação básica em teologia e filosofia e doutorado em sociologia pela Universidade de Saarbrucken, na Alemanha. Professor titular da Universidade de Brasília, tem atuação acadêmica destacada na política social e na metodologia científica. Ultimamente, vem dedicando-se especialmente à educação contemplada sob a ótica do desenvolvimento. Conferencista e consultor, publicou mais de trinta livros, dentre eles, pela Editora Vozes, Petropólis, RJ: Cidadania Menor, 1992; Desafios Modernos da Educação, 6ª ed., 1997; Conhecimento Moderno, 1997; Questões para a Teleducação, 1998.


Saber Pensar  - um pouco sobre a obra:
A obra se divide em duas partes. A primeira, Componentes do Saber Pensar, com sete tópicos, vai até a página 82; a segunda, sob o título Reconstruir Ciência, inclui oito pontos e termina na página 143. O livro se completa ainda com Prefácio de Paulo Roberto Padilha, uma Introdução sob a denominação de A Gestão da Autonomia e, no final, a conclusão ou A Construção Social da Autonomia, e uma vasta bibliografia...
[Veja o link no final do post]

Link para a resenha completa (7 páginas): 

Dworkin, a integridade e o juiz Hércules

A explanação seguinte tem como base (e inspiração) a obra O Império do Direito, conforme a referência seguinte:
DWORKIN, Ronald. O império do Direito. Trad. de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. XV, 513 p.Tit. orig.: Law's empire.

    Nos casos difíceis (como o de MacLoughlim), Dworkin sugere que os juízes devem se comportar como um romancista na cadeia do direito consuetudinário, pois (certamente) já existiram outros casos que tratam de problemas afins, embora não absolutamente iguais.
A decisão do magistrado, afirma Dworkin, deve derivar-se de uma interpretação que simultaneamente se adapte aos fatos anteriores e os justifique, nos limites de sua possibilidade.
No direito, porém, a exemplo do que ocorre na literatura, a interação entre adequação e justificação é complexa (O Império do Direito, p. 286).
A interpretação literária exige um delicado equilíbrio entre diversos tipos de atitudes literárias e artísticas; com o direito ocorre o mesmo, só que o "delicado equilíbrio" é entre convicções políticas de vários tipos. Para explicar a "complexa estrutura da interpretação jurídica", Dworkin utiliza-se do juiz Hércules:
Um juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas, que aceita o direito como integridade.
    Mas, antes de tudo, é preciso ficar ciente:
Não devemos supor que suas respostas às várias questões que se lhe apresentam definem o direito como integridade como uma concepção geral do direito. São as respostas que, no momento, me parecem [ao Dworkin] as melhores.
Ele deixa claro que o Direito como integridade é uma abordagem que suscita mais perguntas do que respostas, e outros juristas e juízes que o aceitam poderiam fornecer respostas diferentes das apresentadas. Poder-se-á considerar outras respostas melhores, o que inclusive Dworkin admite poder fazer, ele mesmo, após alguma [nova] reflexão.
Se forem recusados determinados pontos de vista distintos, por exemplo, a "prioridade local" nas decisões da "common law", por achá-los pobres "enquanto interpretações construtivas da prática jurídica", ainda assim o o direito como integridade não restaria denegado, pelo contrário, estar-se-ia unindo-se à sua causa.

No caso MacLoughlin
Hércules deve encontrar, se puder, alguma teoria coerente sobre os direitos legais à indenização por danos morais, tal que um dirigente político com a mesma teoria pudesse ter chegado à maioria dos resultados que os precedentes relatam (p. 288).
Dworkin decide que Hércules, por ser um juiz criterioso e metódico, mesmo antes de ter lido os precedentes, fará uma lista inicial de seis melhores interpretações:
  1. Ninguém tem direito à indenização, a não ser nos casos de lesão corporal;
  2. As pessoas têm direito à indenização por danos morais sofridos na cena de um acidente, mas não têm direito à indenização por danos morais sofridos posteriormente;
  3. As pessoas deveriam ser indenizadas por danos morais quando a prática de exigir indenização, nessas circunstâncias, reduzisse os custos gerais dos acidentes ou, de outro modo, tornasse a comunidade mais rica em longo prazo;
  4. As pessoas têm direito à indenização, por qualquer dano, moral ou físico, que seja consequência direta de uma conduta imprudente, por mais que seja improvável ou imprevisível que tal conduta viesse a resultar em tal dano;
  5. As pessoas têm direito moral à indenização por danos morais ou físicos que sejam consequências de uma conduta imprudente, mas apenas quando esse dano for razoavelmente previsível por parte da pessoa que agiu com imprudência;
  6. As pessoas têm direito moral à indenização por danos razoavelmente previsíveis, mas não em circunstâncias nas quais o reconhecimento de tal direito possa impor encargos financeiros pesados e destrutivos àqueles cuja imprudência seja desproporcional à sua falta (O império do Direito, p. 288-289).
São afirmações contraditórias, entre si, podendo uma só figurar como a melhor interpretação para os casos de danos morais. Porém, o Direito como integridade pede aos juízes que aceitem, na medida do possível, o Direito como um conjunto coerente de princípios acerca da justiça, eqüidade e do devido processo legal, de modo que apliquem-nos aos casos, de forma que a situação, de cada um, seja justa e eqüitativa, conforme as mesmas normas. Trata-se de um "estilo de deliberação judicial" que acata a ambição da integridade, "a ambição de ser uma comunidade de princípios" (O império do Direito, p. 291).
Como diz:
    Uma interpretação tem por finalidade mostrar o que é interpretado em sua melhor luz possível, e uma interpretação de qualquer parte de nosso direito deve, portanto, levar em consideração não somente a substância das decisões tomadas por autoridade anteriores, mas também o modo como essas decisões foram tomadas: por quais autoridades e em que circunstâncias (O Império do Direito, p. 292).
    O direito como integridade exige que um juiz coloque à prova sua interpretação de qualquer parte da grande rede de estruturas e decisões políticas de sua comunidade, questionando se ela poderia pertencer a uma teoria coerente capaz de justificar a rede como um todo. "Um juiz verdadeiro, porém, só pode imitar Hércules até certo ponto".
    Os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem casos difíceis tentando encontrar, em algum conjunto coerente de princípios sobre os direitos e deveres das pessoas, a melhor interpretação da estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade (O Império do Direito, p. 305).
    É uma interpretação cujas convicções de adequação fixam a exigência de um limite aproximado que a interpretação de uma parte do Direito deve seguir para ser aceitável. Assim, a "verdadeira história política" da comunidade irá restringir as convicções pessoais do juiz em questões de justiça.

Ajude-nos a manter este site com conteúdos de relevância para os seus estudos e pesquisas. Quer saber mais sobre a Filosofia Política e Teoria do Direito? Aguarda a segunda edição de O Poder Normativo do Direito.

 Partindo do princípio que a indagação sobre os motivos que justificam a obediência ao Direito não está firmemente assentada, é razoável que uma resposta crítica exclua como fundamento o simples medo da coerção. Até que ponto as doutrinas de Kelsen e Hart são suficientes para explicar o cumprimento das regras? A aceitação da norma por um cidadão segue as mesmas orientações que a de um especialista? É possível compreender o Direito sem uma vinculação ao poder dos tribunais? Quais são, em definitivo, as razões do Direito: as razões jurídicas que excluem o rol de razões válidas que teria o sujeito para agir conforme seu próprio julgamento?
Estas e outras questões tratadas e debatidas neste livro, são o ponto de partida para o leitor fazer uma reflexão acerca desses temas e, quem sabe, a reformulação dos fundamentos jurídicos.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

John Rawls e Uma Teoria da Justiça

John Rawls pode ainda ser apresentado como um dos mais notáveis e controvertidos teóricos políticos do século XX. Com uma Teoria da Justiça, em 1971, ele redefiniu o status da filosofia política ocidental, focalizando sua perspectiva em torno do conceito de “liberalismo”, defendendo o Estado democrático-liberal como um (ou “o”) garantidor da justiça social.
Rawls esboça uma complexa e bem definida noção das formas em que o Estado poderá produzir impactos positivos, nos termos da justiça distributiva, isto é, como é que um Estado democrático-liberal pode assegurar aos seus membros direitos básicos e more or less oportunidades iguais. Nos trabalhos posteriores, incluindo Liberalismo Político, Rawls ameniza sua Teoria com a espinhosa ideia do pluralismo, apresentando os modos que um Estado liberal poderá incorporar os planos pluriculturais, muitas e diferentes culturas sob um mesmo teto.

Em Theory of Justice, John Rawls tenta um método construtivista, similar ao que Kant usou para a formulação do imperativo categórico, na sua filosofia moral. Tal método, que Rawls julga explicar as estruturas do que consideramos um Estado justo, é denominado “véu da ignorância”, uma concepção de todos como potenciais construtores de uma mítica e justa sociedade futura, mas ignorando a posição racial, social e econômica.

Assim, a partir dessa “posição original” (do véu da ignorância), a resposta de uma pessoa racional será no propósito de assegurar dois princípios básicos de justiça: (a) um programa de direitos básicos, incluindo liberdade de consciência e locomoção, liberdade religiosa, etc.; e (b) oportunidades iguais.

Rawls tem um modo particularmente novo de garantir a igualdade de oportunidade, vista por ele como a única via para evitar, no seu Estado justo, que o mais forte (ou mais rico) se sobreponha ao mais fraco (ou pobre), impondo a máxima, nenhuma distribuição dos recursos dentro de tal Estado deve ocorrer, a menos que beneficie até o menos próspero (a todos).

Uma Teoria da Justiça foi, e ainda é, alvo de muitas discussões e críticas, sendo acusado de servir como fundamento filosófico para o Welfare State (e a crise, J. Rawls? – a gente poderia perguntar).

Deste modo, numa série de papers escritos após Uma Teoria da Justiça, Rawls mudou um pouco seu pensamento sobre as questões redistributivas, que pareciam tão importante nos dias da "Maravilhosa Sociedade" da qual Uma Teoria escreveu.


Em Liberalismo Político, escrito quinze anos depois, Rawls perquire sobre as formas de proteger liberdades básicas, numa sociedade pluralista. Esta questão, agora, constitui (até hoje) o centro dos debates entre liberais, comunitaristas e conservadores, no Ocidente. Os argumentos de Liberalismo Político, já edificados em Uma Teoria, sustentam que as Instituições do Estado justo precisam ser neutras, no resguardo de qualquer “teoria do bem” que o cidadão, em particular, deve perseguir. O Estado ainda permanece num status neutro.


Três coisas são vitais para que o valor-neutro estatal possa operar: primeiro, a ideia de “racionalidade”, definida como a possibilidade de indivíduos, embora provenientes de diferentes experiências culturais, possam trabalhar e viver juntos, tolerando-se política e culturalmente.


Segundo, Rawls fortalece, portanto, a ideia de um “common ground” da racionalidade, que lhe permite, assim, justificar a necessidade de um “consenso sobreposto”, amplo o suficiente para abarcar, conjuntamente, culturas distintas, a serem consideradas pelos diversos campos de regulação governamental.


Por fim, e talvez o mais importante, Rawls assegura, na esfera pública, a autonomia dos cidadãos do Estado justo, invocando a ideia de razão pública. Os cidadãos são chamados de imediato para participarem, como membros ativos, do debate, da legislação e, se necessário, da revisão constitucional.

O valor da deliberação pública nessas circunstâncias é elevado, não apenas para aumentar a reflexão pessoal da teoria do bem de cada um, mas para abarcar o consenso sobreposto e garantir que todos tenham voz no estabelecimento de sua própria autonomia.

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Número de páginas: 200

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Uma Teoria Jurídica do Sujeito - Parte I

Sigo, aqui, um ensaio de Jack M. Balkin, a ideia de que, para se entender a natureza do Direito, é preciso compreender a natureza do próprio conhecimento jurídico. Como diz Jack Balkin, é necessário transformar o “sujeito da teoria jurídica” em teoria jurídica do sujeito. 
I believe that we must transform the subject of jurisprudence into a jurisprudence of the subject
O sujeito da jurisprudência em jurisprudência do sujeito. Uma teoria do Direito que seja capaz de reconhecer não só as questões sobre a natureza do Direito, como também, igualitariamente, as questões vinculadas aos conceitos ideológicos, sociológicos e psicológicos do nosso próprio entendimento acerca do sistema legal. 
Portanto, em vez de questionar sobre a existência ou não da coerência no Direito, é preciso começar por perguntar como surgem julgamentos sobre coerência e incoerência. Em vez de aceitar a coerência legal (jurídica) como uma característica pré-existente do objeto apreendido pelo sujeito, é preciso ver o conteúdo legal (jurídico) como algo construído socialmente. É necessário saber como a nossa própria construção social permite-nos compreender o sistema jurídico ou, pelo menos, uma parte desse sistema como possuidor ou carente de coerência (coerente ou incoerente). 
My interest, however, is in the sociological and ideological features of legal understanding – that which members of a culture share as well as that which differentiates them.
Isto é, o direito reflete também a subjetividade do sujeito, os aspectos sociológicos e ideológicos que incidem sobre ele, tanto naquilo que é compartilhado entre os membros de uma cultura, como naquilo que os diferenciam. A compreensão do direito, portanto, está cercada de subjetividade.
Subjetividade é o que o sujeito individual traz para ato da compreensão, o que lhe permite construir o objeto de sua interpretação, de modo que possa entendê-lo, que pode ser, é claro, muito semelhante ao que os outros trazem, por causa da ideologia compartilhada.


Na linguagem de Jack Balkin, a ideologia é uma espécie de “software cultural” - um conjunto de ferramentas para a compreensão do mundo social, em que uma cópia é distribuída para cada um de nós.


I sometimes like to think of ideology as a sort of “cultural software” – a set of tools for understanding the social world, a copy of which is distributed to each of us.

A nossa própria subjetividade utiliza e é constituída por esse “software cultural”. Se as cópias forem aproximadamente semelhantes, se as estruturas culturais do entendimento forem aproximadamente as mesmas, então, a contribuição de cada sujeito para o objeto da compreensão será aproximadamente similar. Deste modo, uma subjetividade compartilhada produz uma objetividade compartilhada.

Hence, when I speak of “the legal subject” or the contributions of "subjectivity" I am invoking two complementary ideas: first, the individual's contribution through the act of understanding to her experience of the social world, and second, the individual's social construction, which helps shape the forms and bounds of her understanding. A jurisprudence of the subject is above all a cultural jurisprudence, for it is culture that creates legal subjects as subjects.


Continuação no Post Uma Teoria Jurídica do Sujeito - Parte II

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Enunciados Normativos – Enunciados de um Ponto de Vista

Imagine o internauta, como explicitado em O Poder Normativo do Direito (a segunda edição está em fase de conclusão), seguindo a linha de Joseph Raz, um judeu ortodoxo um pouco mal informado sobre sua prática social e religiosa e, por isso, pede conselhos ao amigo católico, especialista no Direito rabínico.
- O que acha que eu deveria fazer? – pergunta ele, querendo dizer, “diga-me o que deveria fazer de acordo com a minha religião”,
- É simples, você deve fazer isto e aquilo – responde o amigo especialista católico.
O amigo católico concorda com tais práticas judaicas? Isso não importa.
Ele simplesmente está explicando como são as coisas de acordo com o ponto de vista do judaísmo ortodoxo. É vital não confundir tais enunciados de um ponto de vista com os enunciados acerca das crenças das outras pessoas (O Poder Normativo do Direito, p. 76).
Tais enunciados, como as afirmações ou explicações do amigo católico ao judeu, são os enunciados de um ponto de vista.
“Enunciados de um ponto de vista são proposições jurídicas imparciais acerca de que direitos ou deveres as pessoas possuem, não um enunciado acerca de duas crenças, atitudes ou ações, nem mesmo acerca de suas crenças, atitudes ou ações a respeito do Direito” (O Poder Normativo do Direito, p. 77)


O que garante a validade da primeira Constituição?

Em O Poder Normativo do Direito, ficou demonstrado que a teoria kelseniana de validade das normas não é adequada. Para Kelsen, de certo modo, a normatividade existe em virtude do fato de que cada uma das normas só é norma, ou seja, só é tida como válida para regular condutas, porque deriva sua validade de uma outra norma anterior (link ou vínculo de validade), terminando a cadeia naquela que é historicamente a primeira Constituição.
Assim considerada a normatividade do Direito, a primeira Constituição, enquanto lei ou leis positivas, não tem garantida sua validade, pois uma norma só é válida dentro de um sistema quando está autorizada por uma outra superior.
Contudo, para Kelsen, a definição de um sistema jurídico não termina na primeira Constituição. A ela se deve obediência porque
é postulado que devemos nos conduzir como o indivíduo ou os indivíduos que estabeleceram a primeira Constituição prescreveram. Esta é a norma fundamental da ordem jurídica em consideração.
Porém, a tentativa de Kelsen resta fracasada, porque não faz parte de sua definição (de vínculo de validade) a condição de que as normas pertencentes a um (único) sistema devem fazer parte apenas de uma só cadeia de validade.

Por que o Direito é Normativo?

Como segue aprofundado no livro O Poder Normativo do Direito, depois de Kelsen, na linha de Norberto Bobbio, pode-se conferir o caráter normativo ao Direito por três títulos distintos:
(a) porque tem a ver com normas;
(b) porque considera a realidade social através de um sistema normativo; e
(c) porque põe normas .
Assim, na perspectiva kelseniana, o Direito é um sistema normativo cuja unidade se consuma no fato de todas as normas terem o mesmo fundamento de validade: a Grundnorm. Porém, difere de outras ordens sociais por ser uma ordem de coerção ou, mais apropriadamente, uma ordem coativa, significando que suas normas estabelecem atos de coação cujo elemento decisivo é o emprego, caso seja necessário, da força física sobre aqueles que dela se desviam.


 
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