Mostrando postagens com marcador Poder Normativo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Poder Normativo. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O que garante a validade da primeira Constituição?

Em O Poder Normativo do Direito, ficou demonstrado que a teoria kelseniana de validade das normas não é adequada. Para Kelsen, de certo modo, a normatividade existe em virtude do fato de que cada uma das normas só é norma, ou seja, só é tida como válida para regular condutas, porque deriva sua validade de uma outra norma anterior (link ou vínculo de validade), terminando a cadeia naquela que é historicamente a primeira Constituição.

Assim considerada a normatividade do Direito, a primeira Constituição, enquanto lei ou leis positivas, não tem garantida sua validade, pois uma norma só é válida dentro de um sistema quando está autorizada por uma outra superior.

Contudo, para Kelsen, a definição de um sistema jurídico não termina na primeira Constituição. A ela se deve obediência porque

é postulado que devemos nos conduzir como o indivíduo ou os indivíduos que estabeleceram a primeira Constituição prescreveram. Esta é a norma fundamental da ordem jurídica em consideração.

Porém, a tentativa de Kelsen resta fracassada, porque não faz parte de sua definição (de vínculo de validade) a condição de que as normas pertencentes a um (único) sistema devem fazer parte apenas de uma só cadeia de validade.

A crítica à teoria kelseniana reside no fato de que ela não consegue explicar satisfatoriamente como normas de diferentes sistemas jurídicos podem coexistir ou interagir. Por exemplo, em contextos de pluralismo jurídico, como em sociedades multiculturais, é comum que diferentes sistemas normativos (como o Direito estatal, o Direito consuetudinário e o Direito religioso) operem simultaneamente. Nesses casos, a ideia de uma única cadeia de validade, tal como proposta por Kelsen, mostra-se insuficiente para abarcar a complexidade das relações entre as normas.

Além disso, a teoria de Kelsen enfrenta dificuldades ao tentar justificar a validade da primeira Constituição. Se uma norma só é válida porque deriva de outra superior, como explicar a validade da norma fundamental (Grundnorm), que não deriva de nenhuma outra norma? Kelsen responde a isso com um postulado, mas essa solução é frequentemente criticada por ser circular e por não oferecer uma base sólida para a validade do sistema jurídico como um todo.

Outro ponto de crítica é que a teoria kelseniana não leva em consideração o papel da moral e dos valores sociais na formação e na aplicação das normas jurídicas. Para autores como Ronald Dworkin e Joseph Raz, o Direito não pode ser compreendido apenas como um sistema fechado de normas, mas deve ser visto como uma prática social que envolve interpretação, princípios e valores. Essa perspectiva amplia a compreensão do Direito para além da mera validade formal, incorporando elementos como a justiça, a equidade e a legitimidade.

Em resumo, embora a teoria de Kelsen tenha sido fundamental para a compreensão do Direito como um sistema normativo autônomo, suas limitações obrigam um diálogo com outras abordagens teóricas. A crítica à sua visão de validade das normas abre espaço para reflexões mais profundas sobre a natureza do Direito e sua relação com a sociedade, a moral e os valores humanos.

Como citar este post:

ABNT:

APA:

Por que o Direito é Normativo?

Como aprofundado no livro O Poder Normativo do Direito, após a contribuição seminal de Hans Kelsen e seguindo a linha de pensamento de Norberto Bobbio, é possível atribuir ao Direito um caráter normativo por três razões distintas:

(a) porque ele opera por meio de normas;
(b) porque interpreta e regula a realidade social através de um sistema normativo; e
(c) porque cria e impõe normas.

Na perspectiva kelseniana, o Direito é entendido como um sistema normativo cuja unidade é garantida pelo fato de todas as normas compartilharem o mesmo fundamento de validade: a Grundnorm (norma fundamental). No entanto, o Direito se distingue de outras ordens sociais por ser uma ordem coativa, ou seja, uma ordem que prevê o uso da coerção. Isso significa que suas normas estabelecem atos de coação, nos quais o emprego da força física pode ser utilizado, se necessário, contra aqueles que violam as normas estabelecidas.


Essa visão do Direito como um sistema normativo coercitivo foi amplamente discutida e refinada por filósofos do Direito como Joseph Raz. Em sua teoria do Direito como razão prática, argumenta que as normas jurídicas não apenas regulam o comportamento, mas também fornecem razões para a ação. Ele enfatiza que o Direito tem uma pretensão de autoridade, ou seja, ele se apresenta como uma fonte legítima de razões para agir, independentemente das motivações individuais. Essa abordagem complementa a visão kelseniana ao destacar a função prática do Direito na orientação do comportamento humano.

Além disso, a teoria de Raz sobre a natureza do Direito também explora a relação entre o Direito e a moral. Ele defende que, embora o Direito e a moral possam estar interligados, o Direito possui uma autonomia própria, sendo capaz de justificar suas normas independentemente de considerações morais. Essa separação entre Direito e moral é crucial para entender o caráter normativo do Direito como um sistema autônomo e funcional.

Em resumo, o Direito, como um sistema normativo, não apenas estabelece regras, mas também as justifica e as impõe de maneira coercitiva. Essa dualidade entre normatividade e coercitividade é o que o distingue de outras formas de regulação social, como a moral ou os costumes. A contribuição de pensadores como Kelsen, Bobbio e Raz nos permite compreender melhor a complexidade e a importância do Direito como uma estrutura essencial para a organização e a coexistência das sociedades modernas.

Para aprofundar ainda mais essa discussão, você pode se interessar por Enunciados normativos - enunciados de um ponto de vista, que explora a natureza dos enunciados normativos e sua relação com o Direito.

Como citar este post:

ABNT:

APA: