quinta-feira, 27 de maio de 2010

Enunciados Normativos – Enunciados de um Ponto de Vista

Imagine o internauta, como explicitado em O Poder Normativo do Direito (a segunda edição está em fase de conclusão), seguindo a linha de Joseph Raz, um judeu ortodoxo um pouco mal informado sobre sua prática social e religiosa e, por isso, pede conselhos ao amigo católico, especialista no Direito rabínico. 

- O que acha que eu deveria fazer? – pergunta ele, querendo dizer, “diga-me o que deveria fazer segundo a minha religião”,
- É simples, você deve fazer isto e aquilo – responde o amigo especialista católico.
O amigo católico concorda com tais práticas judaicas? Isso não importa.
Ele simplesmente está explicando como são as coisas conforme o ponto de vista do judaísmo ortodoxo. É vital não confundir tais enunciados de um ponto de vista com os enunciados acerca das crenças das outras pessoas (O Poder Normativo do Direito, p. 76).
Tais enunciados, como as afirmações ou explicações do amigo católico ao judeu, são os enunciados de um ponto de vista. 

“Enunciados de um ponto de vista são proposições jurídicas imparciais acerca de que direitos ou deveres as pessoas possuem, não um enunciado acerca de duas crenças, atitudes ou ações, nem mesmo acerca de suas crenças, atitudes ou ações a respeito do Direito” (O Poder Normativo do Direito, p. 77).

Esse exemplo ilustra de maneira clara a distinção entre enunciados de um ponto de vista e enunciados sobre crenças ou opiniões. No contexto do Direito, essa distinção é fundamental para compreender como as normas jurídicas operam de maneira objetiva, independentemente das convicções individuais.

Joseph Raz, em sua obra, enfatiza que o Direito não apenas descreve normas, mas também fornece razões para a ação, atuando como uma fonte de autoridade prática. Nesse sentido, os enunciados de um ponto de vista refletem a capacidade do Direito de guiar o comportamento humano de forma imparcial, sem depender da adesão subjetiva às normas.

Além disso, a ideia de enunciados de um ponto de vista ressalta a importância da neutralidade na aplicação do Direito. O amigo católico, ao explicar as práticas judaicas, não está expressando sua própria opinião ou crença, mas sim descrevendo o sistema normativo do judaísmo ortodoxo. Essa neutralidade é essencial para garantir que o Direito seja compreendido e aplicado de maneira justa e coerente, sem interferências de preferências pessoais ou ideológicas.

Essa abordagem também nos permite refletir sobre a natureza do Direito como um sistema autônomo e funcional. Ao contrário de outras formas de regulação social, como a moral ou os costumes, o Direito opera por meio de normas que são justificadas e aplicadas de maneira objetiva. Essa característica é o que permite que o Direito cumpra seu papel de organizar e regular a vida em sociedade, independentemente das divergências individuais.

Para aprofundar ainda mais essa discussão, é interessante explorar como Joseph Raz relaciona a autoridade do Direito com a razão prática. Em sua visão, o Direito não apenas impõe normas, mas também fornece razões para que os indivíduos ajam de acordo com essas normas, mesmo que não concordem pessoalmente com elas. Essa perspectiva reforça a importância dos enunciados de um ponto de vista como ferramentas para a compreensão e a aplicação do Direito de maneira imparcial e eficaz.

Em resumo, o exemplo do judeu ortodoxo e do amigo católico ilustra de maneira clara e prática a distinção entre enunciados de um ponto de vista e enunciados sobre crenças pessoais. Essa distinção é crucial para entender como o Direito opera como um sistema normativo autônomo, capaz de guiar o comportamento humano de forma objetiva e imparcial. A contribuição de Joseph Raz nos ajuda a compreender melhor essa dinâmica e a importância do Direito como uma estrutura essencial para a organização das sociedades modernas.

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